A estreia fulminante do Masterplan e a volta por cima de Grapow e Kusch
Postado em 27/10/2025


No início dos anos 2000, o Helloween, indiscutivelmente o pai do Power Metal melódico, passou por uma séria divisão criativa. O incompreendido e excelente “The Dark Ride” (2000) foi uma aposta sombria e pesada que dividiu fãs e a própria banda. Dois dos arquitetos dessa nova direção, o guitarrista Roland Grapow e o baterista Uli Kusch, acabaram demitidos da banda alemã em 2001. Para a dupla, foi o fim de uma era. Para os fãs, foi o início de uma das estreias mais fortes da década. Por algum tempo ambos os lados deram entrevistas bombásticas e com muitas alfinetadas uns aos outros, mas no final das contas – e no decorrer do tempo – tudo se ajeitou e quem ganhou foi o público.

Lançado em janeiro de 2003, o debut autointitulado do Masterplan não soa como um simples álbum de estreia, e sim como a materialização da visão musical que Grapow e Kusch não puderam mais explorar no Helloween. Na verdade, eles pegaram a sonoridade moderna de “The Dark Ride” e deram um upgrade enorme, soando muito diferente de sua banda anterior.

Enquanto o Helloween decidiu (com o álbum “Rabbit Don’t Come Easy”) retornar ao seu som mais “feliz”, o Masterplan dobrou a aposta no peso e na atmosfera mais carregada. O álbum pode ser um “herdeiro” de “The Dark Ride”, mas com uma identidade própria e muita inspiração. A produção de Andy Sneap, por exemplo, é colossal, dando ao álbum uma profundidade e um peso que faltavam a muitas bandas do gênero na época. Os riffs de Grapow são técnicos, mas cheios de groove, enquanto a bateria de Uli Kusch segue firme e forte, misturando velocidade com ritmos pujantes.

O que distancia Masterplan” do Power Metal comum é sua pegada mais “séria”. As composições são progressivas e de longe são cansativas. Há uma seriedade e uma leve melancolia que permeiam o disco, evidentes em faixas como “Enlighten Me” e na poderosa “Crystal Night”. Uma das faixas mais lembradas é “Crawling From Hell”, com um riff inicial marcante. Vale lembrar que naquela época ainda havia um grande e maravilhoso boom no Power Metal, iniciado na metade final da década anterior, com o surgimento ou ascensão de diversas bandas (muitas delas italianas!). O Masterplan navegava em águas mais pesadas, se distanciando um pouco desta leva.

Outro ponto importante: a decisão mais inteligente do grupo não foi focar na parte técnica, e sim na vocal. Em vez de procurar um vocalista com agudos ou falsetes tradicionais, Grapow e Kusch recrutaram o norueguês Jørn Lande. Jørn não é um vocalista de Power Metal; seu foco é o Hard Rock. Seu vozeirão é rasgado, potente, cheio de alma, evocando mestres como David Coverdale e Ronnie James Dio. A justaposição desse vocal “clássico” com o instrumental pesado, veloz e técnico do Masterplan criou um som híbrido com apelo imediato, a exemplo de faixas como “Spirit Never Die” (com um ótimo refrão), e injetando um drama palpável em “Soulburn”. Jørn foi o ingrediente que elevou o Masterplan de “ótima banda de ex-membros” para um supergrupo completo.

O efeito de Masterplan” foi imediato. Em 2003, foi eleito “Álbum do Ano” por inúmeras publicações de Metal, conseguindo ofuscar o lançamento de retorno do próprio Helloween no mesmo ano. Destaca-se também a arte da capa, criada por Thomas Ewerhard (conhecido por trabalhos com Avantasia, Edguy), que foge de todos os clichês do estilo. Embora eu seja apreciador dos clássicos clichês, não há dragões, bruxas, abóboras, espadas ou paisagens de fantasia, mas cenas do mundo em colapso.

Grapow e Kusch provaram que o Power Metal podia “amadurecer” sem perder energia, incorporando mais peso. A parceria com Jørn Lande deu forma a uma sonoridade que conciliou técnica e emoção, rompendo com o estereótipo “feliz” do estilo. O resultado foi um álbum que não apenas sobreviveu ao famoso teste do tempo, mas serviu de ponte entre o Metal melódico clássico e uma nova geração mais sombria e moderna.

Ouça:

 
Categoria/Category: Destaque · Resenha de Discos
Tags:

TOP