Bruno Maia e a musicalidade das Minas: no ritmo da viola caipira e uma carta de amor à sua terra natal [Entrevista]
Postado em 24/07/2025


Conhecido por entrelaçar a sonoridade celta com raízes profundas da cultura mineira, Bruno Maia,  idealizador do projeto Braia e também líder do Tuatha de Danann, retorna com o álbum “Vertentes de Lá e Cá”, um trabalho que une lirismo instrumental, ancestralidade e identidade regional. A obra tem como eixo temático os caminhos, conflitos e paisagens de Minas Gerais. Nesta entrevista, Bruno fala sobre o processo criativo por trás do disco, as escolhas estéticas, a paixão pelas tradições do estado e como o som pode, ao mesmo tempo, evocar poesia e refletir história — até mesmo uma guerra.

A faixa “Emboabas” mergulha num episódio importante da história mineira. O que te motivou a escolher justamente esse conflito como ponto de partida para o disco?

Bruno Maia: A entrada de “Emboabas”, por incrível que pareça, foi de última hora, pois ela nem estava na lista pro disco. Eu tinha em mente lançar mais um álbum inteiramente instrumental, mas daí uma das peças que estava gravando não estava soando tão bem e eu recorri a esta música que eu já tinha composto inteiramente, inclusive com demo e melodias sofejadas, mas sem letra. Foi a melhor coisa que fiz. O lance dela abrir o disco tem dois motivos: um é porque ela é bem bonita, meio nostálgica e ainda épica e também por retratar um episódio que está circunscrito na formação de Minas Gerais, com o descobrimento das minas, a febre do ouro e tudo mais.

Como foi o processo de transformar uma guerra sangrenta como a dos Emboabas em uma composição no estilo do Braia?

Bruno Maia: Puizé, parece não tem nada a ver, mas a música provou que tem. Mesmo com as melodias e canto sensíveis a comunicação logrou, não ficou forçado e tbem não tem nada escatológico ou pesado na letra.

O disco como um todo costura paisagens e episódios de Minas Gerais com as velhas referências celtas. Como você equilibra essas duas vertentes culturais na hora de compor? Além disso, apenas duas faixas têm letras, e as demais são instrumentais. Foi algo espontâneo ou você viu que elas não precisam de letras para “falar”?

Bruno Maia: Eu não racionalizo na hora de compor, deixo o trem fluir livre, embalado pela inspiração. Essa parte da transpiração ocorre mais é qdo vou arranjar a música criada, daí recorro ao conhecimento teórico, experimento na instrumentação, etc. Muitas vezes a gente compõe sem querer, parece que recebemos uma ideia, uma melodia de presente, do nada, quem sabe do ‘povo de lá’, e daí desenvolve-se a música. Eu fui criando o álbum meio livre, tinha só uma ideia com voz, mas que poderia nem entrar dado o tanto de música que eu tava fazendo, mas depois noiei com a ideia de ser um disco todo instrumental, mas nos finalmente, acabou tendo duas cantadas. Estranho, mas quem não é?!

“Vertentes de Lá e Cá” é uma autêntica síntese dos dois álbuns anteriores. Você considera que ele fecha um ciclo dentro do Braia? Ou abre novos caminhos?

Bruno Maia: Eu já tô querendo e precisando do vol. 2 deste disco, mas agora com mais cantadas de novo.

A instrumentação do álbum é muito rica e orgânica. Como foi o processo de escolha e gravação dos instrumentos, especialmente a viola caipira em afinação “rio abaixo”? Aliás, explique melhor para os leitores como funciona essa afinação e quais músicas sertanejas podemos ouvir ela? Creio que Almir Sater seja uma referência nesse sentido, não?

Bruno Maia: O disco tem a viola como guia, é ela solando sempre… Eu usei em bases bouzouki e violões e gravei algumas flautas, baixos e teclados. A maioria das músicas são com a viola em rio abaixo. Esta é uma afinação muito usada em Minas Gerais, muito no norte do estado e na região nordeste também. Esta afinação, assim como a tradicional ‘cebolão’, também é uma afinação aberta, soa um acorde maior qdo tocada todas as cordas soltas, mas a disposição das cordas é diferente é isso muda tudo, é outro encanto. O Almir Sater usa muito essa afinação, e é claro uma referência gigante, mas minha grande influência é o Tavinho Moura, que também faz muita coisa linda nesta seara.

Faixas como “Carrancas” e “Serra das Letras” evocam imagens e locais específicos de Minas. Essas músicas nasceram a partir de visitas ou memórias pessoais?

Bruno Maia: Eu estou sempre em Carrancas, tenho ligação com o local há muito tempo. Se for pensar em termos ancestrais há séculos…e São Thomé é um trem de doido, né?!? Oh, lugar! As músicas são homenagens mistas de memória e presença.

Podemos definir esse disco como uma “carta de amor” a Minas Gerais. O quanto da sua história pessoal está embutido nas composições?

Bruno Maia: Uai, pode sim, viu?! Eu sou um apaixonado por Minas, sua história e seu povo e venho tentado imprimir isso em tudo o q faço, às vezes de forma até gritante, como neste disco. De aspectos pessoais tem bastante coisa sim, desde localidades com os quais tenho família e ancestrais como Ingaí, Prados (Ponta do Morro) e Carrancas, além de Varginha, que apesar de não ter família ou antepassados aqui, é onde vivo. Tem a música ‘Ilhoas’ que alude a 3 irmãs que ficaram conhecidas como ‘as três ilhoas’ das quais duas são antepassadas minhas e a Hipólita, que é nome de uma música, é uma mulher da família. Acho que de pessoal são essas.

O projeto foi contemplado pela Lei Paulo Gustavo e também tem material em Libras. Como você vê o papel da música como ferramenta de inclusão e educação cultural?

Bruno Maia: A arte pode educar, pode induzir à reflexão e abrir horizontes, além de deixar nossas vidas mais felizes pela fruição. Neste trabalho tivemos muito esmero e cuidado para que os temas fossem elucidados em vídeos com recursos de acessibilidade para todos poderem se inteirar.

Para quem está descobrindo o Braia agora, por qual faixa deste novo álbum você recomendaria começar — e por quê?

 Bruno Maia: Acho que “Emboabas” é uma música que traz muito coisa do Braia, acho que fico com ela.

 
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